Das afeições desordenadas
1. Todas as vezes que eu desejo alguma coisa desordenadamente, torno-me logo
inquieto. O soberbo e o avarento nunca sossegam; entretanto, o pobre e o humilde de
espírito vivem em muita paz. Quando eu não estou perfeitamente mortificado facilmente sou
tentado e vencido, até em coisas pequenas e insignificantes. Apesar de espiritual, ainda um
tanto carnal e propenso à sensualidade, só a muito custo poderei desprender-me de todos os
desejos terrenos. Daí a minha freqüente tristeza, quando deles me abstenho, e fácil irritação,
quando alguém me contraria.
2. Se, porém, alcanço o que desejava, sinto logo o remorso da consciência, porque obedeci
à minha paixão, que nada vale para alcançar a paz que almejava. Em resistir, pois, às paixões,
se acha a verdadeira paz do coração, e não em segui-las. Não há, portanto, paz no coração
da pessoa carnal, nem no da pessoa entregue às coisas exteriores, mas somente no
daquele que é fervoroso e espiritual.
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